Mãe narcisista: a religião, a positividade tóxica, o brega-popularesco, a lacração e todo o mundo midiático.

Daniela Adorno
5 min readMay 8, 2022

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A mãe narcisista, que por isso já se torna uma figura tóxica por si só, é a figura mais intocável, inviolável e poderosa do mundo. Tem um aparato universal que envolve de tudo, até pensamentos e ideologias que parecem contraditórias, como o cristianismo e a pretensa ‘’revolucionária’’ lacração. Passa pelo poder midiático formado por gente que se diz ‘’descolada’’ e supostamente ‘’progressista’’ e pela indústria da autoajuda seguida pela turma que se diz ‘’acolhedora’’ para todos os problemas, ‘’good vibes’’ e coaches. Enfim, a mãe narcisista comanda o mundo, é uma seita.

Primeiro a religião, no caso a que predomina no Ocidente que são as religiões cristãs que colocam a figura da mãe como sagrada, imaculada e intocável. A mulher se torna um ser superior na gestação e no parto. E isso influencia até mesmo aqueles que se dizem ateus. De misóginos fanáticos cristãos a feministas. Com esse campo das religiões ainda existem algumas seitas que cultuam supostas ‘deusas’ que tem como integrantes até mesmos feministas que se passam por ‘’intelectualizadas’’ em seus blogs e que também idolatram incondicionalmente a figura da mãe. Sobre a relação com as feministas, será mais falado no momento da lacração.

A positivada tóxica (nada mais parecido com a mãe tóxica), que é só mais um efeito esperado da indústria da autoajuda, essa indústria que envolve de fanáticos religiosos a ateus, é uma indústria conservadora e muito seguida por bajuladores e até vítimas da figura da mãe narcisista. Muitas filhas das mães narcisistas apelam para a indústria da autoajuda para acreditarem que podem sair dessa situação infeliz e também recebem frases de autoajuda com frequência. Os viciados em autoajuda são capazes de se jogarem ao fundo do poço por pessoas ricas, famosas, influencers, ex-participantes de reality shows, narcisistas em geral, sociopatas em geral, pessoas que lideram alguma seita. Mas para as vítimas de mães narcisistas, o que resta de ‘’acolhimento’’ são frases que exaltam o individualismo.

Todo esse individualismo da indústria da autoajuda e seus coaches é um dos motivos que faz com que filhas de mães narcisistas tenham mais dificuldades de conquistar sua independência financeira, seja qual for sua formação acadêmica, ainda mais em um ambiente racista, machista e das cidades de interior. Filhas de mães narcisistas são frequentemente induzidas a sentirem culpa por precisar e planejar sair de casa, mudar para uma cidade maior, etc. No mundo conservador são consideradas culpadas e traidoras. No mundo da lacração e da autoajuda/coach são consideradas fracas que não se esforçam o suficiente para se virarem sozinhas. Enquanto essas mesmas pessoas que exaltam o individualismo, muitas vezes sustentam facilmente todo tipo de golpista.

A indústria coach que hoje predomina e que é um subproduto aplicado na prática da indústria da autoajuda, inclusive nos consultórios de psicologia, faz o mesmo. Esses coaches com CRP nunca foram preparados e nunca procuraram se preparar para lidar com a questão da mãe narcisista. Por isso a maioria não tem o que falar e o que fazer, mas para continuarem lucrando, mantém o comodismo e a falta de humildade em não se interessarem por pesquisas e casos reais envolvendo mães narcisistas. O que resta é mandar fazer listas de metas absurdas e relativizar e subestimar obstáculos reais como o machismo e racismo. No caso do machismo, as mães narcisistas costumam competir, invejar, julgar e torturar muito mais as filhas que os filhos.

No âmbito da indústria cultural conservadora do entretenimento, o mundo midiático que tem como subproduto no Brasil o brega-popularesco, que na dramaturgia no Brasil é liderado pelas novelas, obviamente da rede globo que copia de forma ainda mais provinciana e conservadora as tramas do cinema e da TV dos EUA, a figura da mãe narcisista também é idolatrada. Na maioria das vezes filmes e séries sobre mães tóxicas são feitos nos mesmo rastro das comédias românticas. No qual a mãe narcisista seria uma vítima incompreendida e que deveria ser idolatrada e os filhos são quase sempre retratados como frívolos, principalmente as filhas. O mundo midiático vende o que é conveniente do mundo conservador (sagrado) e do mundo do hedonismo (profano) para influenciar as pessoas.

No mundo do brega-popularesco, há também uma ‘’passagem de pano’’ quando se trata da mãe narcisista que é devota de tudo que envolve os produtos do brega-popularesco, a mãe narcisista viciada em novelas, baixarias de micaretas, alcoolatria, consumo que leva a obesidade. Se vê um pouco mais de críticas sobre as mães narcisistas/abusivas em geral quando se trata de fanáticas de religiões neopentecostais que no Brasil é mais representados pelos evangélicos, daquelas mães que controlam o peso das filhas para não engordar, etc. Pois duas situações vão contra à lacração que costuma ser mais crítica às religiões neopentecostais. A questão da obesidade e do sobrepeso ainda é vista como ‘’empoderamento’’ pela lacração. Então a mãe narcisista seria a ‘’vítima’’ quando agride a filha que não gosta de micaretas, enquanto a mãe narcisista que agride a filha que não gosta de frequentar igreja evangélica por exemplo, no caso a lacração abre uma exceção e coloca a mãe narcisista como alguém tóxica. A mãe narcisista da classe média/alta de uma capital como São Paulo que proíbe a filha de tomar refrigerante porque tem muito açúcar e engorda, seria realmente tóxica para a lacração. Já a mãe narcisista de classe média/baixa que entope a filha de refrigerante em alguma cidade do interior do Nordeste, seria a ‘’empoderada’’ e a filha que se atreva a desobedecer, a enfrentar e preferir uma alimentação mais saudável e evitar o sobrepeso, seria a ‘’vilã’’ para a lacração. A mesma lacração que critica o capitalismo, abre exceção para incentivar o consumismo relacionado à alcoolatria e obesidade.

No mundo da lacração, de um lado algumas feministas até tentam falar sobre os efeitos negativos da romantização da maternidade, mas imediatamente a maioria delas colocam a figura da mulher que pariu sempre como submissa e passiva às influências da mídia, da sociedade, da religião. Depois do parto é como se a mulher não tenha mais responsabilidade nenhuma pelo que faz, se torna vítima e que só teve filhos ‘’sem querer’’ por influência da sociedade e que se ela odeia o filho, é um direito dela e que o filho se quiser que se vire e vá embora de casa. Mesmo que esse filho seja uma mulher negra, por exemplo, mas pra a lacração, essa filha que se vire sozinha pelo mundo.

A maioria das mães narcisistas não se importam em desromantizar a maternidade como algumas feministas propõem, porque a romantização da maternidade sempre as coloca nunca condição de eterna vítimas e blindadas, isentando-as de qualquer responsabilidade. Então a romantização da maternidade é conveniente. A mães narcisistas usam tanto o machismo quanto o feminismo quando é conveniente e sabem que podem contar com ambos. Isso não acontece apenas com mães narcisistas com nível de instrução alto. Todas as pessoas manipuladoras sabem tirar proveito para atirar para todos os lados para saírem ganhando.

Isso tudo é um resumo de todo um aparato religioso, cultural, midiático, industrial que mantém a figura da mãe narcisista numa redoma de proteção intocável, com raras exceções que infringem os interesses por exemplo das indústrias do culturalismo conservador do brega-popularesco e da lacração. Por isso que devido a maioria dessas condições, a grande maioria das mães narcisistas nunca terão autocrítica, nunca procurarão ajuda psicológica para se tornarem pessoas mais felizes porque sabem que sempre estarão certas e é importante para as mães narcisistas se sentirem ‘’empoderadas’’ no seu reino de caos.

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Daniela Adorno
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Written by Daniela Adorno

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