As variadas facetas do Homem-Sorriso

Daniela Adorno
7 min readAug 19, 2024

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Sílvio Santos se foi e ontem foi o 1º domingo da sua ausência física, embora já tenha praticamente se aposentado das apresentações de seus programas. O apresentador e, também, um dos maiores empresários do Brasil, cujo nome de batismo foi Senor Abravanel, marcou a carreira como uma das mais curiosas personalidades do país.

Não vou descrever a biografia completa de Sílvio Santos, pois foram mais de 60 anos de carreira como apresentador, com uma trajetória bastante dinâmica e rica em fatos e detalhes. Mas podemos dizer alguns fatos interessantes sobre o hoje falecido homem-sorriso. Ele começou como camelô e foi também locutor das barcas de Niterói a Paquetá. Sim, o apresentador símbolo de São Paulo era oriundo do hoje Grande Rio, tendo nascido no então Distrito Federal, o município do Rio de Janeiro, em dezembro de 1930. Neste sentido, até o Brigadeiro Faria Lima era natural da ex-Cidade Maravilhosa, pois o militar que batizou a famosa avenida paulistana, embora tenha feito carreira na capital paulista, nasceu e morreu no Rio de Janeiro.

O primeiro programa de Sílvio Santos foi Vamos Brincar de Forca?, que a Internet durante um bom tempo divulgou os anos errados de lançamento. Algumas fontes diziam 1962, outras 1961, mas depois se descobriu que o programa foi lançado no próprio ano de 1960, o mesmo em que o Rio de Janeiro deixou de ser capital Federal do Brasil e passou a viver do ressentimento que contribui para a sua degradação e violência.

Sílvio era contratado pela TV Paulista, das Organizações Victor Costa, nome de um antigo radialista da Rádio Nacional do Rio de Janeiro que havia falecido em 1959. A empresa estava em crise e, em 1965, negociou sua venda com a emergente TV Globo do Rio de Janeiro, dando origem à atual TV Globo de São Paulo, que realiza uma parte dos programas de rede nacional da Globo. Durante anos, Sílvio Santos foi empregado de Roberto Marinho, no ar no canal 4 da televisão do Grande Rio. Mas, já no fim dos anos 1970, Sílvio já havia ganho a concessão para uma rede, cujas emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo deram origem ao SBT, inicialmente chamadas de TV Studios.

Sílvio inegavelmente era um comunicador de primeira, de carisma profundamente indiscutível e bastante divertido com seu senso de humor. Como apresentador, sua inspiração maior foi o lendário apresentador estadunidense Ed Sullivan. Aliás, o próprio Sílvio sempre foi fã da TV dos EUA dos anos 60, 70 e 80, tanto que via muito TV quando morava em Miami. O programa popularesco Geraldo, do apresentador Geraldo Rivera, chegou a ser exibido, dublado, no Brasil.

Apesar das grandes virtudes de comunicador e do indiscutível senso de humor que cativava, com muita facilidade, o povo brasileiro, Sílvio Santos era também um conservador e, de maneira decisiva, combinado com Roberto Marinho, seu antigo patrão e dono da Rede Globo, ajudou na bregalização cultural que precarizou a cultura popular no Brasil, de maneira terrivelmente danosa, que as ditas ‘’esquerdas’’ não se empenharam em combater porque em sua maioria, fazem parte do esquema em troca de muito dinheiro e vantagens. Tanto que intelectuais mal intencionados foram facilmente adotados pela ‘’mídia de esquerda’’ para fazer proselitismo em prol da música e do culturalismo brega.

A bregalização da TV aberta influiu tanto que o “funk’’ carioca/ostentação nasceu de uma colcha de retalhos do culturalismo degradante que a televisão, sob inspiração de todo o culturalismo brega-popularesco dos tempos da ditadura, formou na população pobre carioca, baiana, etc., de uma maneira específica mas não exclusiva, pois todo o Brasil estava subordinado à bregalização, cada região à sua maneira, no caso da Bahia, com a indústria da axé-music.

O “funk” carioca/ostentação gourmetiza a pobreza caricatural e montava seu sistema de valores através de elementos degradantes como o machismo estrutural, por exemplo, que alimenta até o falso feminismo das fanqueiras, alimentado pelas próprias feministas acadêmicas, que por interesses próprios de financiamento e viagens internacionais, passaram a vender as subcelebridades objetificadas como ‘’grandes feministas’’ e manipular muitas mulheres que seguem essas líderes feministas blogueiras, (entre elas uma famosa blogueira de origem de família muito rica e com um apelido parecido com o do próprio Lula), apesar de mentirem que esse movimento não teria líderes.

Pela TV aberta, o povo pobre acabou se transformando numa caricatura digna de personagem de A Praça é Nossa e Zorra Total, no caso do primeiro, programa que o apresentador manteve na grade do SBT como herança da antiga A Praça da Alegria do humorista e empresário Manuel da Nóbrega, amigo e sócio de muitos empreendimentos com o homem-sorriso. O filho de Manuel, Carlos Alberto de Nóbrega, que já era parceiro do pai no começo dos anos 1960, é o titular do famoso humorístico.

No entanto, os tempos são outros e o humor de A Praça é Nossa e do Zorra Total envelheceram mal, mas o pior não é isso. Trata-se da deterioração da cultura popular que incluía uma imagem depreciativa da mulher popularesca ‘’ingênua’’, através das “colegas de trabalho” da plateia do apresentador. Aquele tipo de mulher que musicalmente é aquela típica fã de cornogode ou breganejo dos anos 1990.

O povo pobre que se produziu com o culturalismo da TV aberta mais parecia miseráveis razoavelmente vestidos, mas ainda distante da imagem gourmetizada que se conhece a partir de 2002. Mas a trilha sonora brega já mostrava o crescimento da precarização da cultura popular, deixando as zonas suburbanas para invadir as áreas urbanas e assim ampliando mercado captando clientes de classes sociais e nível de instrução mais elevados.

Sílvio também antecipou a era das “popozudas” com Gretchen — que a falsa nostalgia do brega-vintage promoveu como influencer pretensamente cult — e, através de seu contratado, o também falecido Gugu Liberato, ter investido nas “garotas da Banheira do Gugu”, com destaque para Solange Gomes simbolizando durante anos a hipersexualização feminina na mídia de subcelebridades. Não devemos nos esquecer, também, do programa policialesco O Povo na TV, no começo dos anos 1980, que deveria já nesta época se chamar Aqui Agora, mas não poderiam utilizar este nome ainda na época porque havia problemas de copyright com uma marca argentina dona deste nome e só nos anos 1990 seu uso foi permitido.

O programa não foi pioneiro dos programas policialescos, pois, de maneira insólita, a TV Cultura da fase Diários Associados, no começo da ditadura militar, teve a ideia surreal de lançar O Homem do Sapato Branco, com Jacinto Figueira Jr., em 1964, iniciando o filão que hoje é simbolizado pelo Cidade Alerta e Brasil Urgente. Falando em ditadura militar, apesar de Silvio Santos ter se beneficiado, Roberto Marinho se beneficiou muito mais ainda que Silvio Santos, e hoje a sua Rede Globo é a queridinha dos lulopetistas, cujo seu minto Lula, já disse que o golpe militar seria ‘’revolução’’, com aplausos dos lulopetistas. O próprio Cidade Alerta foi criado para concorrer com o extinto Aqui e Agora. O Povo na TV e Aqui Agora, juntos, ainda mostraram, ao vivo, imagens de morte de bebê num hospital e de uma pessoa cometendo suicídio.

E como a mídia sensacionalista promoveu muito um determinado “médium” mineiro tido como “símbolo de dedicação e amor ao próximo” — uma mentira plantada pela ditadura militar (detalhe: o “médium”, o maior pé-frio da história da religiosidade brasileira, tem como iniciais as consoantes da palavra “caixa”) idolatrado pela Rede Globo principalmente através de suas novelas das 18 horas — , O Povo na TV também teve como uma das principais atrações um curandeiro charlatão que prometia “milagres” com suas práticas “paranormais”.

O charlatão foi depois desmascarado e condenado, mas também eventualmente explorava, como toda a mídia sensacionalista, qualquer atividade “mediúnica” ou “psicográfica” que virasse notícia no Brasil. A propósito, o “médium” dos pés de gelo, que inspirou o falso curandeiro, embora fosse um “médium” de livros e cartinhas fake de hipotéticos autores mortos, foi eleito pelo SBT “o maior brasileiro de todos os tempos” numa votação de 2012.

Mas o pessoal se acostumou tanto com o freak show na TV aberta que passou a aceitar naturalmente até um medonho comercial de uma marca de TV, entre 1994 e 1995, que foi ao ar nos intervalos do Jornal Nacional, da Rede Globo, e que fazia sutil apologia ao feminicídio, através de um menino brincalhão que anunciava o desfecho de um hipotético filme numa tela de cinema.

Sílvio Santos também tem seu lado sombrio, era acusado de dar calote nos premiados do Baú da Felicidade e a Tele Sena é acusada de ser uma loteria ilegal disfarçada de título de capitalização. Daí a prática que muitos pensam ser “divertida”, mas humilhante, de Sílvio jogar dinheiro como aviõezinhos para a plateia, com a pergunta famosa: “Quem quer dinheiro?” repetida por Ana Maria Braga na TV Globo em sua homenagem. Sílvio Santos queria construir um condomínio no Ibirapuera, desfigurando o parque e travando uma briga judicial com o falecido ator e diretor teatral Zé Celso Martinez Correa. Silvio Santos também se envolveu em situações constrangedoras com Rachel Sheherazade e Claudia Leitte.

O crescimento da bregalização na TV aberta fez com que a arrogante e hipócrita Rede Globo que até hoje se faz de ‘’phynna’’, também aderisse fortemente ao esquema nos anos 90, com a máquina traiçoeira de fazer sucesso e de sucatear a MPB comandada por Michael Sullivan. E aí vemos o quanto o culturalismo conservador arrasou com o Brasil através da TV aberta.

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Hi, I love writing texts about the influence of pop culture

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